Acho que muita gente que está compartilhando a notícia por aí nem percebeu, mas eu sou um dos dois autores do “estudo da USP” sobre máscaras que está fazendo barulho nas redes sociais. A reportagem que viralizou mais é a da Revista Oeste que infelizmente não contém o link para o estudo (ao menos eu não encontrei). Está aqui:
Eu não estou com muito tempo para escrever em redes sociais (tem coisas mais importantes acontecendo na minha vida no momento), mas em vista do tamanho da repercussão eu me sinto obrigado a dizer ao menos algumas palavras. Talvez mais para a frente eu me anime a fazer posts mais elaborados, falando sobre aspectos mais técnicos da análise para meus seguidores mais nerds ou comentando algumas das “críticas” — é, depois que a reportagem da Revista Oeste viralizou as ditas “agências checadoras de fatos” resolveram fazer o que normalmente fazem, pegam a opinião que já tinham, encontram um grupinho de pessoas de competência bem duvidosa que concordam com essa opinião e dão voz a elas, tratando a parte de ouvir o outro lado como mera formalidade.
Vejam que no meu título eu coloco “estudo da USP” entre aspas. Infelizmente essa terminologia “estudo da USP”, “estudo de Harvard”, etc é uma terminologia bem idiota que sugere que de alguma forma há algum endosso oficial da universidade em si — eu nunca vi a USP dar opinião sobre estudo feito por seus pesquisadores e nem deveria, nem sei que tenha alguma espécie de Departamento da Verdade Científica dentro da USP para opinar sobre quais são os estudos bons e os ruins feitos pelos seus pesquisadores. Enfim, mas essa terminologia idiota tem sido usada de rotina pela imprensa desde sempre e dessa vez não teria porque ser diferente, exceto que quem não gostou do estudo percebeu pela primeira vez na vida que essa terminologia é de fato idiota.
Sobre o tema em si: a melhor referência sobre os efeitos da recomendação do uso de máscaras na transmissão de vírus respiratórios é a metanálise de estudos randomizados da Cochrane (a referência está no nosso artigo). Não é literalmente uma “prova de ineficácia” porque tal coisa não existe, mas não fica tão longe disso — ao menos no caso de máscaras cirúrgicas, eles obtiveram uma estimativa pontual de efeito pequenina com um IC que também não é grande. Por muito menos (mera falta de significância estatística em estudos com baixo poder), intervenções foram declaradas “comprovadamente ineficazes” durante a pandemia pela imprensa e seus “especialistas” (para depois serem “vingadas” em metanálises posteriores que não recebem qualquer atenção na mesma imprensa).
A metanálise da Cochrane gerou um pequeno barulhinho na imprensa no primeiro semestre de 2023. Algumas discussões em cima dela foram razoavelmente honestas (notavelmente e inesperadamente, a do IQC) e outras foram bizarras — com defensores das máscaras dizendo que devíamos ignorar nesse caso os estudos randomizados e dar mais atenção a estudos observacionais e ecológicos.
Para quem está dizendo “só agora eles (nós) perceberam que as máscaras não funcionam”: embora eu tenha sido defensor das máscaras no início da pandemia, eu também fui uma das pessoas que ajudou bastante a divulgar o resultado negativo da Cochrane no início de 2023, i.e., eu mudo de ideia quando eu vejo evidências que contrariam o que eu acreditava antes. O meu coautor Beny Spira do ICB-USP estava mais bem informado sobre o tema há mais tempo que eu e escreveu muito sobre máscaras em artigos científicos e na imprensa.
Mas o que o nosso estudo faz afinal de contas? O nosso estudo é um estudo observacional que avalia o efeito do uso de máscaras sobre a mortalidade em excesso em 24 países europeus. O uso de máscaras foi associado a uma maior mortalidade em excesso, com significância estatística, numa análise multivariada (que inclui possíveis variáveis de confusão) e se manteve num número grande de análises de sensibilidade que estão descritas nos suplementos. Isso prova que as máscaras causaram um aumento de mortalidade? Nem de longe. Mas também não é apenas uma “mera correlação”, é um estudo observacional com uma análise multivariada, bem mais forte do que uma “mera correlação”, mas com muitas limitações e é bem mais fraca que um estudo randomizado. Acostumem-se com o fato que evidência não é zero ou um, evidência é um continuum: um estudo observacional é mais fraco do que um estudo randomizado (que também não são perfeitos, normalmente possuem limitações), mas um estudo observacional é mais forte do que uma “mera correlação” que também por sua vez não seria evidência nula.
Ironicamente, os defensores das máscaras que estão dizendo que o nosso estudo não vale nada porque “é observacional” e “não prova causalidade” têm apenas estudos observacionais (ou pior) para defender as máscaras: a metanálise de estudos randomizados sugere ineficácia.
Um ponto importante que pouca gente comenta: se apenas estudos observacionais que confirmam uma certa “narrativa oficial” forem divulgados (ou por autocensura dos autores que descartam os resultados que contrariam a narrativa ou por censura de revistas científicas), então as metanálises desses estudos se tornam completamente sem significado porque conterão um fortíssimo viés de seleção. Imagino que muitos outros autores já tinham tropeçado nesse resultado que nós vimos e decidiram não publicar ou tiveram dificuldade para publicar.
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