Na última semana, fomos todos bombardeados por notícias, em diversas mídias e portais, praticamente comemorando a retratação do primeiro artigo de Didier Raoult, cientista francês, sobre o uso da hidroxicloroquina contra a COVID-19. “Estudo que fundamentou uso de cloroquina para Covid-19 é invalidado por revista que o publicou”, afirma o G1, por exemplo. Após a notícia, vieram os artigos de opinião sobre o caso. Entre eles, um texto de Fernando Reinach no Estadão: “O erro científico que custou vidas na pandemia”.

Mas a pergunta é: afinal, com a despublicação deste artigo, o que muda no cenário do uso da hidroxicloroquina na COVID-19? 

O pensamento básico das pessoas, ao compartilharem essas notícias e textos de opinião, é um espasmo emocional confortante mais ou menos assim: “Acabou! A verdade se estabeleceu. Hidroxicloroquina foi um delírio e agora tudo está provado”. Ou seja, o ritmo de apenas martelar o último prego no caixão dessa história. Uma superação.

Digo a palavra “confortante” porque no “outro lado”, o dos que defendem que sempre houve eficácia da hidroxicloroquina durante toda a pandemia, há um roteiro mais aterrorizante do que o pior filme de terror já produzido em Hollywood. Este script conta que sempre houve tratamento eficaz e que deixaram milhões de pessoas morrerem por lucro.

Antes de entrar em detalhes, vou responder imediatamente a pergunta que eu mesmo fiz. Não, o cenário não muda. E sim, é isso. Deixaram milhões de pessoas morrerem por lucro. Essa é uma das maiores histórias da humanidade até o momento. De qualquer forma, entendo a dificuldade das pessoas em acreditarem nesta versão, afinal, é necessário renunciar toda a fé na bondade humana para absorver este terror.

Um convite ou uma curiosidade

Eu vou convidar você, leitor, a partir de agora, a não continuar lendo este meu artigo. Vamos, primeiramente, a alguns fatos básicos que embasam esse meu convite. No título, eu já disse que Reinach errou e delirou em seu artigo no Estadão. Daqui pra frente, o tom será, obviamente, crítico.

Mas quem é Fernando Reinach? Segundo seu perfil na Wikipedia, Reinach é titular da Academia Brasileira de Ciências, foi condecorado com comenda da Ordem Nacional do Mérito Científico, graduou-se e fez mestrado pela USP, fez doutorado Cornell University, nos Estados Unidos e pós-doutorado pela University of Cambridge, da Inglaterra. Além disso, é divulgador científico e autor do livro: “A chegada do novo coronavírus no Brasil”, pela Cia das Letras. E tem mais: é casado com uma médica epidemiologista e deve ter debatido amplamente esse assunto com ela durante os últimos quatro anos.

E quem sou eu, que estou aqui criticando Reinach, até com palavras duras? Repare no contraste. Sou apenas uma pessoa comum. Não sou cientista. Não sou da área de saúde. Sou um cara que resolveu acompanhar o assunto durante a pandemia apenas para tomar as melhores decisões e sair vivo dela. Sim, isso mesmo. E se olharmos para a pandemia do ponto de vista da medicina, sou apenas um paciente. E que por acaso, acabei escrevendo dezenas de artigos com tudo que eu ia entendendo sobre a pandemia para que outras pessoas também pudessem entender.

Uma pessoa comum. Além disso, eu sei que o tempo das pessoas é curto. Portanto, aí está o convite. Juro que vou compreender se você concluir que o assunto simplesmente não vai dar pé pra mim e que o melhor a ser feito é nem perder tempo lendo o restante.

Por outro lado, a curiosidade entra na jogada. Você pode pensar algo assim: “vou ver como esse cara tenta argumentar e pegar os erros dele”.  Acaba sendo um jogo intelectual que consiste em achar a falta de lógica no que escrevo. Ou por curiosidade, para saber como eu vou argumentar. Pelo menos, para mim, em situações onde eu sou o leitor, é assim que funciona. Inclusive, eu gosto de saber como argumentam as pessoas que pensam o oposto de mim em algum determinado assunto.

Desafios de lógica

Dou um exemplo de desafios que topei, onde eu fui o leitor procurando falta de lógica. Recentemente, vi na internet um link para um PDF de um livro que simplesmente negava o holocausto nazista na Segunda Guerra Mundial. História é um dos meus assuntos prediletos. E fiquei curioso para saber como as pessoas que concluíram isso apresentam seus argumentos. O livro tinha umas 80 páginas. Li, atento, em dois dias.

O autor, em sua linguagem, tinha claro viés antissemita. Era ofensivo. Isso, por si só, já era o suficiente para qualquer um parar a leitura. Afinal, transpirava ódio. De qualquer forma, superei isso tampando o nariz e continuei lendo. Eu queria chegar nos argumentos e saber se o autor tinha algum fato ou pensamento coerente para apresentar. O livro todo sustentava que extermínio em massa nunca foi objetivo dos campos de concentração. Para isso, o autor se baseou num relatório de um especialista em câmaras de gás para execução de penas de morte nos EUA.

Este especialista explicava, por exemplo, sobre as várias vezes que pequenos vazamentos inviabilizavam execuções de penas – uma matéria na Folha de S. Paulo, em 1994, explicou o método cruel e relatou casos de pessoas que não morriam depois de diversos minutos. O autor também argumentava sobre a demora para executar com gás, o que inviabilizaria extermínios em massa. Para isso, o livro apresentava diversos cálculos de densidade, tamanhos de câmara de execução, tipos de gases, etc,  só para confundir o leitor naquele monte de números, tentando fazer todos comprarem sua tese de modo acrítico.

Perto do fim, peguei a falta de lógica. O ódio antissemita cegou o autor a ponto dele se perder em sua narrativa. Ele queria provar que as vítimas dos campos de concentração mentiam sobre a quantidade de pessoas amontoadas por metro quadrado dentro das câmaras de execução. Para isso, o autor foi comparar números com uma notícia da época que o livro foi escrito, no fim dos anos 80, de um caso brutal ocorrido em São Paulo.

Durante uma rebelião em uma delegacia, os policiais resolveram prender 50 detentos em uma cela-forte, sem ventilação, de um metro e meio de largura por três metros de comprimento. Era o castigo pela rebelião. Depois que abriram, cerca de uma hora depois, 18 detentos estavam mortos, sufocados. Para o autor do livro, o cálculo provava alguma coisa sobre a quantidade de gente por metro quadrado. Entretanto, o autor só não reparou o óbvio: se ficar um monte de gente num lugar sem ventilação, as pessoas já morrem sufocadas. Não precisa de gás nenhum. Os cálculos são diferentes de câmaras de execução de penas de morte nos EUA. Sim, o holocauto é fato histórico e os nazistas fizeram, sim, campos de extermínio.

De volta ao texto de Reinach

Eu poderia, tranquilamente, apenas trazer as evidências científicas atuais da hidroxicloroquina e explicar o porque da despublicação do estudo prévio de Raoult não ter feito a menor diferença ao conjunto de evidências.

Mas, afinal, por que escolhi o texto de Reinach para promover este debate? Explico. Nós, que estamos acompanhando cada detalhe da pandemia desde o começo, cada resultado de estudo de possível tratamento, raramente vemos alguém, “do lado de lá”, desenvolver algum pensamento com começo, meio e fim. Eles não estão acompanhando. Fincaram o pé em uma posição onde acreditam que tudo sempre esteve definido e a história já foi devidamente acabada. Baseado nisso, motivado pela notícia que confirma seu pensamento já estabelecido na ineficácia do tratamento, Reinach voltou para, basicamente, afirmar que sempre teve razão. De qualquer forma, o texto dele traz e gera reflexões. 

E vamos ao texto comentado…

Aqui trago trechos do artigo e comento abaixo. Faço destaques em negrito:

O erro científico que custou vidas na pandemia
Crença atrasou investimentos governamentais em vacinas e a adoção de medidas de prevenção.

No dia 19 de março de 2020, quando o Brasil tinha 621 casos de covid e somente 6 mortes, foi publicado um trabalho científico que sugeria que a hydroxychloriquina combinada ao antibiótico azythromicina poderia curar a doença.

Na primeira coisa que tenho para comentar, você pode me considerar um chato, que estou apenas pegando no pé de Reinach, mas diz bastante coisa. Em português, o nome do medicamento é “hidroxicloroquina”. Em inglês, ‘hydroxychloroquine”. Ele inventou algo novo. Ele trocou a letra final do nome do medicamento em inglês e aportuguesou a palavra: ficou “hydroxychloroquina”. Pergunta: não é um sinal de que, no mínimo, ele basicamente não leu estudos sobre o medicamento? Nem a ponto de procurar, de última hora, no Google, para confirmar a escrita? Sim, é isso. Comprovei a seguir.

Apesar de o trabalho ter sido imediatamente criticado pela comunidade científica, muitos médicos se agarraram ao resultado preliminar e passaram a utilizar essa combinação de drogas. Meses depois, o estudo foi repetido com mais de 30.000 pacientes e foi demonstrado que essas drogas não curavam a covid.

Sim, o primeiro trabalho de Raoult foi criticado pela comunidade científica. De qualquer forma, ele não batia o martelo sobre a eficácia. Recomendava mais estudos na conclusão. Mas agora indo para a segunda parte do parágrafo: qual estudo com 30 mil pacientes mostrou que não era eficaz? Como alguém que é da comunidade científica faz uma afirmação como essa e não coloca nenhum tipo de link ou referência? Tão fácil hoje em dia colocar links em textos.

Explico o motivo disso ser absolutamente crucial. A primeira coisa é uma necessária separação básica entre joio e trigo. Deixa eu colocar um contexto antes: todo mundo foi bombardeado, durante toda a pandemia, com notícias batendo o martelo que hidroxicloroquina é um medicamento “comprovadamente ineficaz” contra a COVID-19. A partir disso, obviamente, houve desdobramentos. Quem insistia na hidroxicloroquina era “teórico da conspiração”. Na CPI da COVID, por exemplo, explicaram para todos que falar do assunto era equivalente a “escolher de que borda da Terra plana a gente vai pular”. 

Com isso, hidroxicloroquina e cloroquina viraram, na sociedade, excelentes quadros de humor, como o da Porta dos Fundos. Isso ficou tão consolidado no senso comum da sociedade, que uma pergunta choca. Já cheguei em uma mesa com amigos antenados, bem informados, descolados, e fiz uma simples pergunta: “quantos estudos clínicos de resultados da hidroxicloroquina contra a COVID-19 foram feitos?”. Ninguém ousa sequer chutar um número.

Hoje, 27 de dezembro de 2024, quando escrevo este artigo, temos 419 estudos com o medicamento. Sim, quatrocentos e dezenove. Entenda: nestes 419 não contam estudos in vitro, de hipóteses, em animais, de mecanismos de ação, meta-análises, nada disso. Apenas de resultados clínicos em gente.

Antes de continuar, vou deixar claro sobre algo que disse logo acima, sobre separar o joio do trigo. Isso não é eu ficar aqui tentando te engabelar dizendo que os estudos que trazem resultados positivos são os bem feitos e os que trazem resultados negativos são mal feitos, o que seria uma prática de “cherry picking”.

O separar o joio do trigo, no caso, é separar os diferentes usos do medicamento contra a doença. Existem quatro. Vou listá-los aqui:

1 – Profilaxia pré-exposição: é quando se toma algum medicamento antes de ter contato com o vírus que causa a doença. Isso foi estudado contra a COVID e é comum em outras doenças, como a AIDS.

2 – Profilaxia pós-exposição: é quando toma-se o medicamento logo após ter uma situação de risco de contrair a doença. Busca-se, com o medicamento, algum jeito de não pegar a doença ou amenizá-la. Também existem medicamentos para isso contra a AIDS.

3 – Tratamento precoce: é quando inicia-se o tratamento nos primeiros dias de sintomas. Não espera-se a pessoa ficar grave para depois medicar.

4 – Hospitalizados: inicia-se o tratamento com a pessoa com a doença avançada, já instalada, com a pessoa já internada no hospital.

Lembra-se do termo “tratamento precoce”, repetido à exaustão por todos que defendiam que havia tratamento válido durante a pandemia? Explico o motivo do termo. Era para separar o joio do trigo. Em hospitalizados, os resultados da hidroxicloroquina não são bons.

Mas vamos olhar para os dados dos estudos nesta situação específica: tratamento precoce, o foco de todo mundo e o meu foco aqui. Dos 419 estudos da HCQ contra a COVID-19, 38 foram feitos em tratamento precoce, nos primeiros dias de sintomas. Destes trinta e oito, 17 possuem mortalidade como desfecho a ser medido. Lembrando que mortalidade não é um desfecho leve, que pode ser confundido ou que pode existir interpretação. Ou as pessoas morreram ou ficaram vivas.

Explicação do gráfico: os “quadradinhos” à esquerda da barra vertical mostram quem tomou HCQ se saiu melhor do que quem não tomou nada ou tomou placebo. Na primeira coluna, o nome do principal cientista de cada estudo. No fim, a soma: morreram 114 de 20,473 pessoas tratadas com HCQ e morreram 888 pessoas de 33,208 não tratadas. Houve, portanto, uma redução de 76% do risco de morrer em quem foi medicado.

E o que os dados dizem? Todos, em tratamento precoce, absolutamente todos, são positivos para os pacientes. Ou seja, quem tomou se saiu melhor. Não é uma seleção de estudos. Estão absolutamente todos, em tratamento precoce, nesta lista.

E por que o estudo despublicado de Raoult não muda o cenário em nada? Porque era apenas um estudo inicial, com pouca gente, e nem tinha desfechos duros. Era sobre eliminação viral. Se havia uma mensagem que Raoult passava com o estudo preliminar, e unicamente isso, era algo como “é por aqui que iremos”. O mesmo grupo, de Raoult, fez outros estudos, depois, com pacientes consolidados, e esses estão revisados, publicados e não há críticas sólidas.

Bem, voltando ao artigo de Reinach. Em seu texto, ele afirmou que meses depois do estudo inicial de Raoult, o estudo foi repetido com mais de 30 mil pacientes. A pergunta que gera é: ele confundiu tratamento precoce com tratamento em hospitalizados, como se isso não fizesse a menor diferença?

Esse é um mecanismo humano. O que ele quer acreditar? Que não funciona. Pega o primeiro estudo que vê, nem lê direito, mas o estudo disse o que ele queria, e ele manda pra frente. O efeito psicológico disso chama-se viés de confirmação. Acontece com tiozões do zap, enviando fake news, e acontece com gente com doutorado no exterior. Enquanto isso, do lado de cá, as pessoas se esforçando para explicar, o tempo todo, que é “tratamento precoce”. E depois repetem: “tratamento precoce”. Mas não adianta. É emocional.

Confusões assim, por histeria ou por pura incompetência, foram feitas durante toda a pandemia. Um dos casos é um influencer com mais de 300 mil seguidores que vende cursos de interpretação de estudos científicos na internet. Ele simplesmente confundiu estudos em profilaxia com estudos em hospitalizados para dizer que profilaxia com HCQ não funciona. Sim, isso mesmo, ele vende cursos de interpretação de estudos científicos. Pare por um minuto e imagine agora o nível dos alunos.

O único estudo que chega perto a “meses depois”, e “mais de 30 mil pacientes”, mostrando ineficácia do medicamento, foi o caso do escândalo Surgisphere, publicado na Lancet, em maio de 2020, com 96 mil pacientes. O estudo mostrou que hidroxicloroquina estava associada, na verdade, a uma mortalidade maior. Só há um problema. O estudo foi uma fraude. Teve utilidade? Sim. Foi para todas as manchetes do mundo explicando que HCQ poderia mais matar do que ajudar. “Fraude monumental”, afirmou Richard Horton, editor chefe da Lancet. Além disso, era em hospitalizados.

Uma pergunta para você, leitor. Reinach tinha tanta certeza na ineficácia que apenas acompanhou as manchetes com letras garrafais geradas pela fraude e não acompanhou depois as notícias que o estudo era uma fraude, que, obviamente, vieram mais escondidas nos jornais? Lá no pé da página, sem alarde?

Uma certeza dou a vocês. Não há nenhum estudo publicado nos meses seguintes ao estudo inicial de Raoult com aproximadamente 30 ou 35 mil pacientes, como ele afirmou. Nem em hospitalizados, nem em tratamento precoce. É um delírio molhado. E é um delírio em um dos maiores jornais do país, por que não? É contra o uso da hidroxicloroquina? Faz você se sentir bem? Faz você ser membro importante de uma tribo? Não tem problema. Ninguém se importa.

Voltamos ao texto de Reinach:

A grande maioria da comunidade médica e científica abandonou o tratamento e tentou divulgar o erro. Mas, era tarde, políticos, como Bolsonaro e Trump, haviam comprado a ideia estimulados por médicos e cientistas incompetentes ou mal-intencionados. 

É exatamente o contrário do delírio de Reinach. Viram o gráfico acima? São 17 estudos em tratamento precoce medindo mortalidade. Deixa eu repetir o termo para ver se todos conseguem fixar: tratamento precoce. Os médicos e cientistas competentes, acompanhando os resultados de… tratamento precoce, reagiram assim:

– Saiu um novo estudo em tratamento precoce.
– E como foi?
– Positivo.
– Que bom.
– Saiu mais um, em tratamento precoce.
– Qual o resultado?
– Quem tomou se saiu melhor.
– Excelente. Já são dois.
– Saiu um terceiro, medindo mortalidade, em tratamento precoce.
– Qual o resultado?
– Positivo também.
– Saiu um quarto positivo
– Saiu um quinto também positivo!- Saiu um sexto positivo!

Você, leitor. Imagine este diálogo, entre os que acompanharam, dezessete vezes seguidas. Ou seja, Reinach está completamente alienado e voltou para “comemorar” que estava certo com a despublicação de um artigo preliminar. Precisa estar muito fora do ar para pensar que incompetentes eram os que foram reforçando o entendimento de eficácia com o tempo, afinal, cada estudo novo positivo juntava sobre outros, também positivos. Além de não aparecer nenhum negativo, o que seria normal em um tratamento pouco eficaz.

Mas espera aí. A maioria dos estudos acima, ali da tabela, são observacionais. Você é da turma radical o que foi ensinada que apenas estudos randomizados, padrão ouro, comprovam eficácia? Isso é uma bobagem de pensamento, principalmente quando o efeito é grande em uma doença de curta duração, como a COVID-19. 

E eu, diferentemente do Reinach, dou referências para cada uma de minhas afirmações contundentes neste artigo o rebatendo. Sim, estudos observacionais, historicamente, coincidem com estudos randomizados. Essa conclusão veio de uma revisão sistemática rigorosa publicada na Cochrane, não de vozes da minha cabeça. Não está contente com uma referência apenas? Tem outra, na New England Journal of Medicine, concluindo a mesma coisa.

De qualquer forma, se você tem a curiosidade de saber os resultados dos estudos randomizados da hidroxicloroquina contra a COVID-19, eu vou colocar aqui. Este gráfico de meta-análise foi feito pelo professor Daniel Tausk, da USP.

Explicação do gráfico: todos os estudos ambulatoriais da HCQ medindo o desfecho de hospitalização. Como exemplo, olhe a linha Skipper. Na HCQ, internou 4 de 212. No controle, internou 8 de 211. Olha o gráfico com a linha vertical. Está vendo que todos estão à esquerda da linha? Significa que em todos eles, quem tomou HCQ se saiu melhor. Por unanimidade. Ou seja, todas as vezes que a HCQ entrou em campo contra o placebo, venceu as partidas. Como no total são menos pessoas, o desfecho não é mortalidade, mas hospitalizações.

Estes são todos os estudos em tratamento precoce da HCQ contra a COVID-19. Em todos os estudos, quem tomou HCQ em vez de placebo se saiu melhor. Ou seja, como previsto, os estudos randomizados coincidiram com os estudos observacionais.

Deixa eu explicar para todo mundo aqui, na boa. Hidroxicloroquina contra a COVID-19 é um dos medicamentos mais comprovados da história. Poucas vezes, algum medicamento foi tão estudado, com tantos resultados. Apenas pessoas alienadas, ou sem capacidade emocional para olhar o tema, ou sem conhecimento, diante desses dados, afirmam o contrário.

Voltamos ao texto de Reinach:

Nos meses seguintes, centenas de milhares de pessoas foram tratadas com essa combinação em vez dos tratamentos comprovados que já estavam aparecendo. E pior, essa crença atrasou os investimentos governamentais em vacinas e a adoção de medidas de prevenção. É difícil calcular o número de mortes relacionadas a esse erro, mas não é impossível que sejam dezenas de milhares.

Quais tratamento comprovados surgiram nos meses seguintes? Mais uma vez, um cientista sem referências do que fala. Mas já sei o jeito de pensar dele e imagino qual é o medicamento. Ele olha para recomendações de sociedades médicas ou órgãos reguladores para saber o que funciona, o que é ou não “comprovado”. O único medicamento que entrou no radar nos meses seguintes, ou seja, no meio de 2020, foi o Remdesivir, recomendado, carimbado e elogiado, valendo R$ 18 mil reais por paciente.

Deixa eu colocar nisso um pouco no contexto pessoal. Foi exatamente o caso do Remdesivir que me fez entender como funciona o ramo. Foi quando entendi que aquela aura de que cientistas seriam as pessoas mais éticas e sérias do mundo é, no fim das contas, uma farsa grotesca. Conclui que neste ramo existem mais pessoas tentando te enrolar do que entre vendedores de automóveis usados.

Concluo isso porque, afinal, o estudo do Remdesivir que embasou a recomendação pela FDA, agência regulatória americana, não tinha nenhum resultado positivo estatisticamente significativo. Nada. Nenhuma redução de mortes. Na verdade, entre quem tomou, houve 8,6% mais mortes. E entre quem não morreu, houve uma modesta redução no tempo médio para melhora clínica de 18 dias vs. 23 dias, de modo estatisticamente não significativo. Isso mesmo, sem significância estatística a recomendado, aprovado, carimbado.

Claro que a recomendação e a redução sem significância estatística do medicamento caro e patenteado foi motivo de comemoração entre os “divulgadores científicos”, como Atila Iamarino, por exemplo, com milhões de seguidores, afirmando que era bom. “Ótimo para aliviar UTI”, afirmou.

Por que digo que o caso Remdesivir me fez entender o ramo? O contraste. O primeiro estudo da HCQ, randomizado, duplo cego, confirmando os primeiros observacionais positivos, foi o estudo de Skipper, publicado em julho de 2020. Nele, o risco encontrado de hospitalizações foi 49.4% menor entre quem tomou hidroxicloroquina. Apenas 4 dos 231 que tomaram foram hospitalizados, enquanto isso, no controle, 8 de 234 foram hospitalizados. Também sem significância estatística, como o Remdesivir, mas com efeito maior e significância estatística maior. Enquanto o caro e patenteado era elogiado, o outro, com dados melhores, mas sem comprovação financeira, era “terraplanismo”. 

Eu aqui, pessoalmente, não acredito que Reinach tenha lido esse estudo do Remdesivir, assim como não acompanhou os estudos da HCQ. Foi na onda, sabe?

E voltamos ao texto:

Erros como esse ocorrem na ciência, mas raramente envolvem descobertas que têm um impacto tão imediato na sociedade, e dificilmente levam tantos anos para serem corrigidos. Agora, a comunidade científica embarcou numa busca dos motivos que levaram a adoção desses medicamentos inúteis.

E foi nesse contexto que fui reler como descrevi a novidade. Me ocorreu que talvez tivesse sido por demais otimista com a descoberta, contribuindo para reforçar e divulgar o erro. Meu artigo apareceu no mesmo dia que o trabalho foi publicado (Foi descoberto um possível tratamento? Estadão, 19/03/2020).

Fiquei feliz. Já no título uma interrogação ao invés de uma afirmação indicava que o resultado não era definitivo. Na versão digital foi publicado o gráfico mais importante do trabalho, mas fiz diversas ressalvas.

Após afirmar que o resultado era impressionante e animador escrevi: “Antes de você ficar muito animado é preciso lembrar que esse é um estudo muito pequeno, feito com pouquíssimos pacientes, no qual as pessoas não foram colocadas de maneira aleatória nos grupos de estudo. Ou seja, ele tem que ser repetido com mais pacientes ao longo de mais tempo em mais centros, com pacientes de diferentes idades e gravidade”.

E no final do artigo escrevi: “Esse resultado é quase bom demais para ser verdade, e por isso os cientistas estão ocupados repetindo os experimentos. É esperar para ver”. O que não gostei foi a chamada escolhida pelo jornal que afirmava que “a ciência já começou a entregar resultados”, algo que não escrevi.

Pois bem, Reinach, repetiram sim, e você não prestou atenção. Em tratamento precoce, 17 vezes. Em todos, os resultados foram positivos. Um atrás do outro.

O que me impressiona é como grande parte das pessoas, desesperadas com a chegada da pandemia, se agarrou nas pequenas esperanças. Muitos amigos correram para comparar essas drogas e estocar em casa. Outros acreditaram que simples máscaras de pano segurariam o vírus sem qualquer evidência científica.

O desespero é uma reação normal do ser humano frente a uma ameaça desconhecida e letal. 

Essa parte do texto dele é extremamente interessante e gera reflexões. É exatamente deste modo que as pessoas que falavam da HCQ foram tratadas: como pessoas desesperadas que se agarraram em algo para não terem medo. Ou seja, pessoas que ficaram doentes da cabeça buscando uma fuga para não enlouquecer.

O acontecimento histórico da COVID-19 foi brutal. Ninguém pára para pensar muito hoje, e até prefere esquecer, mas o mundo parou como nunca antes na história. As pessoas estavam trancadas em casa, com medo de sair, usando álcool em gel nas mãos de modo psicótico, além de máscaras duplas, triplas, além de acessórios parecidos com roupas de astronautas.

Tudo isso alimentado com notícias diárias de milhares de mortos, da quantidade de pessoas nas UTIs, entubadas. Além de ficarem acompanhando, pelas redes sociais, as fotos os conhecidos ou parentes que morriam no dia-a-dia.

Pois bem. Quem está desesperado, com medo de morrer de COVID-19 hoje, no fim de 2024? Por que alguém estaria agarrado em “pequenas esperanças” hoje?

E estou aqui, falando a mesma coisa que falava antes. Olhem os dados. E os dados são dados. Sempre foi eficaz. Sempre funcionou. E entendo ser bastante difícil para quem se colocou contra, fazendo sarcasmo, piada, achando que os outros estavam loucos, em admitir que foi o óleo nessa engrenagem.

Por isso, delirando, desinformados, vocês se agarram nessas pequenas notícias como tábua de salvação sem olhar o contexto geral. Vira uma comemoração, não é mesmo? Um alívio?

De volta ao texto:

O triste foi a incapacidade da comunidade científica de separar o joio do trigo, ajudando os governos e a população a tomar medidas baseadas em evidências científicas e a abandonar tratamentos comprovadamente ineficazes ou mesmo prejudiciais.

Para finalizar, chocar um pouco os alienados, vou colocar aqui um link, além de um print. Não antes de relembrar o contraste. Hidroxicloroquina era coisa de negacionista da ciência, de “escolher de que borda da Terra plana a gente vai pular”, de teóricos da conspiração, não é mesmo?

Sabe a Universidade de Oxford, o bastião da racionalidade e do pensamento crítico, um dos epicentros do iluminismo? Sim, a Universidade de Oxford, que qualquer ranking sério do mundo a coloca como a primeira, segunda ou terceira universidade mais importante do planeta?

Caro Reinach, sabe o que eles disseram sobre a eficácia do medicamento que você, em sua coluna, repetiu o slogan confortante para você mesmo, se referindo como “tratamentos comprovadamente ineficazes”?

Eles publicaram uma notícia no site deles e escreveram que é eficaz: Hydroxychloroquine provides moderate COVID-19 prevention, large clinical trial shows

Certamente, para alguns, os mais emocionados, aqueles que colocaram todo seu esforço para afastar pessoas de tratamentos válidos, ao mesmo tempo que se sentiam muito inteligentes e racionais fazendo isso, Oxford virou uma universidade terraplanista. Não sobram muitas opções além disso. A dissonância cognitiva é uma reação normal do ser humano quando tem sua fé abalada.

Print da página da universidade de Oxford com a notícia que a hidroxicloroquina é eficaz.

Um adendo: na época, eu falava “olhem os dados”. Mas a imensa maioria sequer queria olhar. Causava repulsa e nos tratavam como loucos. Os poucos que mantiveram a cabeça no lugar e acompanharam, entenderam. Muitos médicos leram meus textos, com tudo que era mais essencial mastigado e com referências, e passaram a tratar os pacientes. Salvaram inúmeros. No cálculo de risco e benefício, sempre valeu a pena, mesmo quando os dados eram iniciais.

Segundo adendo: um dia escrevo um texto especulando porque esse estudo de Oxford levou apenas 800 dias para ser publicado. Um pouco mais de dois anos só, em uma pandemia! Além de explicar quais desfechos inéditos em estudos científicos precisaram ser escolhidos para que a eficácia se tornasse “moderada” e não chocasse tanto. Alteraram o desfecho escolhido no meio do estudo. Antes, estava alto demais o resultado. Bacana, né? Mas está aí, eficaz, no site de Oxford.

Leia mais

Leia o artigo completo de Reinach aqui:
O erro científico que causou mortes na pandemia – Estadão

Sugestões de textos meus:
Hidroxicloroquina: o mundo perdeu a noção de risco e benefício

COVID-19: os resultados dos médicos que fizeram tratamento precoce atormentam as consciências dos ‘defensores da ciência’

Não assista o vencedor do Oscar ‘Clube de Compras Dallas’