Um estudo amplamente divulgado no início do ano, que estimava 17 mil mortes atribuídas ao uso de hidroxicloroquina no tratamento da COVID-19, foi oficialmente retratado pela revista científica Biomedicine & Pharmacotherapy. A notícia, que gerou grande repercussão na imprensa brasileira, foi veiculada por diversos veículos, incluindo a Agência Brasil, o Globo, UOL, Estadão, Metrópoles, CNN e Carta Capital, Até entidades conceituadas emprestaram suas supostas credibilidades para noticiar o estudo, como o Jornal da UNESP e o site do Conselho Federal de Farmácia.
Em janeiro, elogios
Segundo a Revista da Unesp, o diretor da Faculdade de medicina de Botucatu, o médico Carlos Magno Fortaleza, que integrou o centro de contingências do Estado de São Paulo, destacava “a relevância do estudo”.
Já Leandro Tessler, professor da Unicamp, garantia que os críticos eram pessoas que tinham dificuldade em entender o estudo: “Estão negando os resultados e ofendendo os autores. Típico de quem não consegue entender”.
Retratação
A retratação, ou seja, rejeição pós-publicação pela própria revista científica, ocorreu após a revista receber uma série de críticas substanciais, levando o caso ao Comitê de Ética de Publicação (COPE). Segundo a revista, os principais problemas identificados foram o uso de dados não confiáveis, especialmente da Bélgica, e a suposição incorreta de que os pacientes em diferentes países receberam regimes de tratamento idênticos com hidroxicloroquina. “A imprensa brasileira quase toda mentiu para você em janeiro. Teve até ex-ministro da Saúde contando vantagem de não ter recomendado a HCQ, achando que este estudo provava que essa droga, que é segura, mataria pessoas. Quem cobriu o assunto do jeito que ele merecia fui eu, na Gazeta do Povo,” afirmou Eli Vieira, jornalista que acompanhou o caso.
Este desenlace já havia sido previsto pelo professor Daniel Tausk, da USP, em janeiro, quando ele alertou em um artigo no site Médicos Pela Vida (MPV) sobre as falhas metodológicas do estudo. Tausk destacou que o estudo se baseava suas conclusões em uma metanálise antiga que não se aplicava ao tratamento precoce e que a estimativa de 17 mil mortes era baseada em cálculos frágeis e imprecisos. “Isso [a retratação] certamente vai ser amplamente noticiado na imprensa, né? Como o mesmo destaque que a publicação do estudo. Tenho certeza absoluta disso, de que não vai.”, comentou Tausk.
“Boas notícias então, essa foi uma das vezes em que o sistema funcionou. No entanto, muito mais frequentemente ele não funciona. A JAMA, jornal de grande prestígio, virou essencialmente um panfleto de propaganda no que se refere a temas ligados à Covid. Jamais retrataram o infame artigo Borba et al”, acrescentou Tausk.
Não é a primeira fraude contra a HCQ
Este não é o primeiro caso de um estudo envolvendo hidroxicloroquina que enfrenta acusações de fraude. Em 2020, o caso Surgisphere ganhou notoriedade quando um estudo publicado no The Lancet alegou que o uso de hidroxicloroquina aumentava a mortalidade em pacientes com COVID-19. O estudo foi rapidamente retratado após investigações revelarem que os dados fornecidos pela Surgisphere, uma empresa obscura, eram fabricados. A reviravolta causou grande impacto na comunidade científica e gerou críticas sobre a falta de rigor na validação dos dados antes da publicação. “Fraude monumental”, comentou, na época, Richard Horton, editor chefe da Lancet.
Comentário MPV
A retratação deste artigo levanta questões sérias sobre a responsabilidade da mídia na divulgação de estudos científicos. É necessário que os jornalistas, ao escreverem para o grande público, consultem médicos e divulgadores científicos mais experientes na análise de artigos, especialmente em temas que afetam a saúde pública.
É imperativo que a verdade, com a mesma força que a notícia inicial, seja agora comunicada ao público. A desinformação pode ter consequências graves, e a imprensa tem um papel fundamental em garantir que a população tenha acesso a informações fidedignas.
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