O jornal Folha de S. Paulo, através de seu departamento jurídico, respondeu aos questionamentos feitos pelo MPV – Médicos Pela Vida, após quase dois meses de enviadas as questões. O intuito do MPV era fazer uma checagem de fatos de afirmações em um artigo publicado na coluna “Sou Ciência” do jornal.
Contexto geral
No dia 26 de setembro do ano passado, Pedro Arantes, Soraya Smaili, Maria Angélica Minhoto e Letícia Sarturi publicaram um artigo na Folha de S. Paulo. O título do texto era uma pergunta: “Um negacionista moderado?”.
O que é o “Sou ciência”?
O “Sou Ciência” se auto define como um Centro de Estudos e Think Tank sobre Sociedade, Universidade e Ciência. Em sua página oficial, eles informam que são sediados na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). “Também conta com um Comitê Científico de alto nível, com representação nacional e internacional”, informam. “Adotamos a política de ciência aberta e pública”, complementam.
Qual o currículo dos autores?
Soraya Smaili é farmacêutica, pesquisadora, professora e ex-reitora da Unifesp. Pedro Arantes é arquiteto, urbanista e professor universitário. Maria Angélica Minhoto é pedagoga, economista e professora da Unifesp. Letícia Sarturi é divulgadora científica, mestre em imunologia, doutora em biociências e apresentadora do PodCast “Escuta a Ciência”.
Qual o contexto do artigo?
O artigo era sobre a corrida eleitoral de São Paulo e discutia o passaporte vacinal implantado na cidade durante a campanha de vacinação COVID-19. “Por que negar instrumentos eficazes de contenção da propagação do vírus como o passaporte vacinal? Onde estaria a humanidade hoje sem a vacina obrigatória contra a covid-19?”, foram os dois questionamentos que os autores fizeram logo no início do artigo.
“As vacinas foram fundamentais na redução da mortalidade, no controle da transmissão do vírus e na mitigação do colapso dos sistemas de saúde em todo o mundo”, complementaram.
Linguagem agressiva
Logo após essas afirmações, na sequência, os autores intensificaram o discurso: “Só os lunáticos acreditam que a covid-19 foi relativamente domada sem o uso intensivo das vacinas”.
Além do passaporte, defenderam as máscaras
“Quando a ciência confirma unanimemente o acerto na corrida das vacinas na pandemia (e de todas as medidas complementares, dos usos das máscaras ao passaporte), o que leva o prefeito de São Paulo a assumir posições negacionistas em plena reeleição?”, questionaram.
Na sequência, os autores afirmaram que “é inaceitável a normalização de um discurso antivacina dentro de uma sociedade que é pautada pela ética e reconhece a importância das vacinas para a saúde pública”.
Autores pediram prisão
Próximo do fim do artigo, eles pedem condenação judicial de quem discorda deles: “E como colocar um freio nos movimentos e políticos antivacina? Justiça, condenação e prisão”.
Além disso, pediram a cassação de profissionais da saúde que discordassem das medidas defendidas por eles, como o passaporte sanitário: “Para os falsos médicos, também a cassação da carteira profissional”.
Na sequência, os autores reforçaram o pedido de prisão: “Os crimes da pandemia de covid-19 precisam ser urgentemente julgados para que detenhamos o negacionismo e a barbárie”
“Desinformação”
Ao finalizarem, afirmaram que quem discordasse deles, como as afirmações sobre a eficácia das máscaras e do passaporte vacinal para reduzir a propagação do vírus COVID, era produtor de desinformação: “Justiça, memória, reparação em relação aos crimes da pandemia, reformulação de currículos na área da saúde, ampliação da alfabetização científica e fomento a carreiras na área, combate à desinformação em todos os níveis e meios de comunicação”.
MPV entrou em contato
Logo na sequência, a redação do MPV enviou um e-mail para o e-mail oficial do “Sou Ciência”, para o Ombudsman da Folha de S. Paulo, para o Painel do Leitor da Folha, para a Faculdade de Medicina da UNIFESP, e para a assessoria de imprensa da UNIFESP. Pedíamos esclarecimentos.
Fizemos uma introdução ao assunto e finalizamos com duas perguntas. Confira:
Prezados colaboradores do Sou Ciência/Unifesp/Folha,
Nós, do MPV – Médicos Pela Vida, estamos fazendo uma checagem de fatos. Será uma checagem que ficará pública em nosso website. Somos uma associação médica com dezenas de milhares de médicos e temos uma profunda preocupação com a desinformação sem bases científicas sólidas. Queremos levar informações confiáveis de saúde aos nossos associados, além do público em geral que acessa nosso website e nossas redes sociais.
Lemos com atenção, no último dia 26, publicado na Folha de S. Paulo, um texto de autoria do Sou Ciência/Unifesp, assinado por Pedro Arantes, Soraya Smaili, Maria Angélica Minhoto e Letícia Sarturi. O título do artigo é: “Um negacionista moderado?”.Um negacionista moderado? – 26/09/2024 – Sou Ciência
Logo no início do artigo, os autores defendem a obrigatoriedade das vacinas COVID-19. “Por que negar instrumentos eficazes de contenção da propagação do vírus como o passaporte vacinal?”, questionam.
Na sequência, os autores fizeram mais afirmações: “As vacinas foram fundamentais na redução da mortalidade, no controle da transmissão do vírus e na mitigação do colapso dos sistemas de saúde em todo o mundo”.
“Só os lunáticos acreditam que a covid-19 foi relativamente domada sem o uso intensivo das vacinas. Para quem não se lembra, os ‘passaportes da vacina’ desempenharam um papel crucial no auge da pandemia, servindo como uma ferramenta de saúde pública que ajudou a conter a disseminação do vírus, estimular a vacinação e possibilitar a retomada gradual de atividades”.
Entretanto, o texto não possui links para estudos científicos que colaborem com essas afirmações, principalmente a de que as vacinas COVID-19 reduziram a transmissão do vírus. É neste ponto que faremos nossa primeira checagem.
Sobre transmissão:
Estudos sólidos, produzidos logo no início da campanha de vacinação, já não indicavam que as vacinas reduziam transmissão:
1 – As vacinas não reduzem transmissão:2 – As vacinas COVID-19 não esterilizam o vírus:
3 – As vacinas não reduziram as ondas em regiões ou países:
4 – As vacinas COVID-19 não reduzem transmissão dentro de casa:
5 – Na verdade, as vacinas já aumentam a chance de transmissão:
Fonte: Effectiveness of the Coronavirus Disease 2019 Bivalent Vaccine
6 – Recentemente, no início de 2023, a EMA – Agência Europeia de Medicamentos, assumiu, em documento oficial, que as vacinas COVID-19 não foram aprovadas com o objetivo de reduzir a infecção ou a propagação do vírus. “Os relatórios de avaliação da EMA sobre a autorização das vacinas destacam a falta de dados sobre transmissibilidade”, afirmou Emer Cooke, diretora executiva da entidade.
7 – E recentemente, em Julho de 2024, o estado do Kansas, nos EUA, iniciou um processo contra a Pfizer por enganarem o público, exatamente falando da falsa promessa de redução da transmissão.
No item 24 da denúncia, o procurador geral do estado afirma:
24. A Pfizer disse que sua vacina contra a Covid-19 evitaria a transmissão, embora soubesse que nunca havia estudado o efeito de sua vacina na transmissão
- Quando a FDA emitiu a Autorização de Uso Emergencial para a vacina COVID-19 da Pfizer em dezembro de 2020, a FDA relatou que não havia “evidências de que a vacina previna a transmissão do SARS-CoV-2 de pessoa para pessoa”.
- De acordo com o protocolo do estudo da Pfizer, avaliar a transmissão não era um objetivo do estudo.
Fonte: Kansas Attorney General Report
Sobre máscaras:
Também, no texto dos autores, há a afirmação da eficácia das máscaras. “Quando a ciência confirma unanimemente o acerto na corrida das vacinas na pandemia (e de todas as medidas complementares, dos usos das máscaras ao passaporte), o que leva o prefeito de São Paulo a assumir posições negacionistas em plena reeleição?”.
Contudo, a revisão sistemática com meta-análise da Cochrane sobre máscaras, feita com estudos “padrão ouro”, não indicam redução das infecções de SARS-COV-2 com o uso de máscaras.
Physical interventions to interrupt or reduce the spread of respiratory viruses – Jefferson, T – 2023 | Cochrane LibraryPerguntas:
1 – Quais estudos vocês possuem que confirmem a eficácia dos passaportes sanitários para evitar transmissão?
2 – Quais estudos “padrão ouro”, das máscaras, em um nível tão bom quanto o da Cochrane, entendido como referência, comprova a eficácia das máscaras para evitar COVID-19? Nós não conhecemos.
Temos um prazo até quinta-feira, 3 de outubro, às 17 horas para fechar a matéria.
Publicamos as perguntas
Nós, do MPV, demos um prazo razoável de dois dias para que nos enviassem os links dos estudos científicos. Não enviaram no prazo. Mesmo assim, resolvemos aguardar mais de uma semana pelos links das evidências, e no dia 9 de outubro, publicamos uma matéria em nossa aba de checagem de fatos. Checamos: na Folha, ‘sou Ciência’ engana sobre passaporte vacinal da COVID-19
No fim da checagem, o MPV incluiu um comentário editorial. Começava assim: “Eles não responderam. O motivo é simples: eles não possuem um artigo científico para sustentarem a eficácia das vacinas para evitar ou sequer reduzir a transmissão do vírus”.
Entretanto, o MPV deixou aberto para respostas. “O espaço permanece aberto, caso tentem responder. Aqui fazemos jornalismo honesto”.
Após mais de um mês, a primeira resposta
O Think Tank Centro “Sou Ciência” não respondeu. A Faculdade de Medicina da UNIFESP não se pronunciou. A assessoria de imprensa da UNIFESP também não respondeu.
Passados quase 45 dias, no dia 14 de novembro, o Ombudsman da Folha de S. Paulo pediu desculpas pela demora: “Agradecemos a mensagem, que foi encaminhada à chefia de Redação assim que a recebemos. Pedimos desculpa pela demora na resposta”.
Jurídico respondeu
No dia 10 de dezembro, mais de dois meses após o pedido de esclarecimentos, o MPV recebeu a resposta inteira. Ela não foi respondida pelos autores. Foi respondida por Tomás Pereira de Almeida Silva, Gerente Jurídico da Folha de S. Paulo, e não veio acompanhada de links dos estudos científicos que sustentariam as afirmações.A resposta foi encaminhada para Filipe Rafaeli, colunista de opinião do site do MPV de longa data, que enviou o pedido de esclarecimentos aos destinatários.
Comentário editorial MPV
A essência da resposta na correspondência foi: “consigne-se que as opiniões constantes no próprio blog referenciado já respondem as suscitações apresentadas por V. Sas”.
Ou seja, traduzindo em uma linguagem clara: eles estão dizendo, de forma indireta, que as respostas às questões levantadas estão baseadas nas opiniões expressas pelos autores, e não em estudos científicos ou evidências concretas.
Admitiram que não têm estudos científicos para embasar as afirmações. Foram apenas meras opiniões, só isso.
Quando publicamos os questionamentos, fomos absolutamente claros que eles não possuíam artigos científicos para sustentarem a eficácia das vacinas para evitar ou sequer reduzir a transmissão da COVID-19. Realmente, como comprovado agora, não tinham.
Também afirmamos que eles não tinham estudos “padrão ouro”, para afirmarem que as máscaras foram eficazes para conter transmissão da COVID-19. Como comprovado, não tinham.
Nós, do MPV, agora vamos mais longe. Não existiam evidências sólidas nestes dois sentidos em outubro de 2024, nem em dezembro, nem hoje, nem teremos no futuro. Simplesmente pelo motivo que não há eficácia para isso nessas intervenções.
O tamanho do dano dessa opinião vendida como se fosse ciência não pode ser esquecida ou reduzida para algo pequeno, insignificante ou à toa. Todos os lugares que implantaram passaportes basearam-se nisso. Não teve utilidade alguma para conter o vírus, mas teve uma utilidade grande em criar demanda para produtos farmacêuticos. Ou seja, lucros. Serviu para fazerem os produtos serem consumidos até por pessoas fora dos grupos de risco, onde a intervenção gera mais riscos que benefícios.
O preço desse “engano”? Muita gente demitida, oprimida, perseguida, processada, censurada, estigmatizada, sofrendo preconceitos. Pessoas sendo retiradas de filas de transplantes. Pessoas mortas. Pessoas com sequelas permanentes. Máscaras também: inúteis para conter a pandemia e colocadas em todas as crianças atrasando o desenvolvimento delas. Só vamos saber a real extensão do dano dessa imposição no longo prazo.
Toda essa combinação representa um retrato completo do total fracasso da academia na resposta COVID-19. São quatro autores. Uma é professora da Escola Paulista de Medicina e ex-reitora da Unifesp, uma das mais importantes Universidades do Brasil. Outra, também professora da mesma faculdade. Outra, divulgadora científica, mestre e doutora. O quarto autor, professor da Unifesp e USP.
Isso porque o “Sou Ciência”, além de estar sediado na Unifesp, informa que é composto por uma equipe de pesquisadores de outras cinco universidades: USP, Unicamp, UFRJ, UnB, UFG, UFRN, UC Berkeley.
É exatamente de onde esperava-se racionalidade e evidências científicas. Mas em vez disso, fizeram uma câmara de eco, impermeável a evidências científicas, onde ficaram repetindo ininterruptamente um para outro que as vacinas COVID-19 reduzem a transmissão até se tornar verdade. Nada diferente de grupos que acreditam que a terra é plana.
Acreditavam tanto nessa verdade, que entendiam nem precisar link para estudos comprovando as afirmações que faziam. Para eles, deveria ser tão óbvio quanto o céu ser azul. Discordava deles da eficácia do passaporte sanitário? “Lunáticos”. E quem discordava das vozes nas cabeças deles que garantiam a eficácia? “Justiça, condenação e prisão”.
E os autores exigiram prisão em qualquer lugar, como uma conversa de boteco? Não. Exigiram no maior jornal do Brasil.
Diante desses fatos, não é para qualquer pessoa sensata, não importando o espectro político que se encontra, questionar quem é conceituado como autoridade e ouvido como autoridade? É simplesmente a posição de poder? Obviamente, a autoridade científica deve vir lastreada com evidências científicas. Ignorar fatos e estudos contrários não os faz desaparecer.
E não é só o jornal ampliando essas vozes delirantes. Em um evento no Ministério da Saúde, em março do ano passado, Pedro Arantes, coordenador do “Sou Ciência”, ao se referir a nós, do Médicos pela Vida, que acompanhamos, estudamos, e sempre, baseados em ciência, nos colocamos contra o passaporte sanitário, deu uma risadinha e afirmou: “Grupos médicos pela vida, um grupo criminoso que deve provavelmente ser julgado em breve”. (Aqui o vídeo do evento. Coloque exatamente em 6 horas e 10 segundos).
Ou seja, Pedro delira e pede prisão de quem se recusa a delirar junto.