Leia na íntegra os e-mails que enviamos ao Estadão. Reinach é biólogo, PHD em Biologia Celular e Molecular pela Cornell University, pós-doutorado pela University of Cambridge, membro da Academia Brasileira de Ciências, condecorado com a Ordem Nacional do Mérito Científico, além de ser autor do livro “A Chegada do Novo Coronavírus no Brasil”.
21 de janeiro de 2025
Prezados colaboradores do Estadão, Estadão Verifica, Fórum Estadão, Agência Estado e Fernando Reinach,
atende.ae@estadao.com
estadaoverifica@estadao.com
forum@estadao.com
fernando.reinach@gmail.com
falecom.estado@estadao.comNós, do MPV – Médicos Pela Vida, estamos fazendo uma checagem de fatos. Será uma checagem que ficará pública em nosso website. Somos uma associação médica com dezenas de milhares de médicos e temos uma profunda preocupação com a desinformação sem bases científicas sólidas. Queremos levar informações confiáveis de saúde aos nossos associados, além do público em geral que acessa nosso website e nossas redes sociais.
Nossa área de checagem de fatos está aqui:
Checagem
Lemos com atenção o texto de Fernando Reinach, colunista do Estadão, publicado em 20 de dezembro de 2024.
O seu texto tinha o seguinte título:
O erro científico que causou mortes na pandemia – Estadão
Nos primeiros parágrafos, o autor explicava:
“O erro científico que custou vidas na pandemia
Crença atrasou investimentos governamentais em vacinas e a adoção de medidas de prevenção.
No dia 19 de março de 2020, quando o Brasil tinha 621 casos de covid e somente 6 mortes, foi publicado um trabalho científico que sugeria que a hydroxychloriquina combinada ao antibiótico azythromicina poderia curar a doença.
Apesar de o trabalho ter sido imediatamente criticado pela comunidade científica, muitos médicos se agarraram ao resultado preliminar e passaram a utilizar essa combinação de drogas. Meses depois, o estudo foi repetido com mais de 30.000 pacientes e foi demonstrado que essas drogas não curavam a covid”.
Contexto da checagem
Nosso ponto de checagem é exatamente nesse estudo com mais de 30 mil pacientes, que teria repetido o estudo inicial de Didier Raoult, publicado meses depois. Infelizmente, o autor não colocou o link para este estudo no texto ou citou algum dos autores para nos dar a referência. A partir disso, nossos médicos e jornalistas responsáveis por publicações em nosso website, voltado tanto ao público em geral como aos nossos associados, procuraram em todos os bancos de dados disponíveis um estudo que encaixasse nessas condições:
1 – de tratamento nos primeiros dias de sintomas ou em pacientes hospitalizados.
2 – publicado meses depois do estudo de Raoult, de março de 2020.
3 – que tivesse mais de 30 mil pacientes.Explicação do item 1: o autor utiliza o termo “curar”, portanto, teria que ser um estudo de tratamento em pessoas com a doença já instalada. A outra possibilidade seriam estudos em profilaxia, mas aí o termo seria “prevenção”. Além disso, se é, como o autor afirmou, uma repetição do estudo de Raoult, só pode ser tratamento.
O único estudo que achamos, envolvendo hidroxicloroquina, que cumpre o requisito é o seguinte:
Este estudo é:
1 – de tratamento em hospitalizados.
2 – publicado em maio de 2020, nos meses seguintes, portanto.
3 – com 96 032 pacientes.Este estudo realmente chegou à conclusão que a hidroxicloroquina era ineficaz, e até perigosa. Contudo, este estudo foi despublicado por ser uma fraude. “Fraude monumental”, afirmou Richard Horton, editor chefe da Lancet, à época, como relatou o New York Times:
The Pandemic Claims New Victims: Prestigious Medical Journals
Pergunta:
Qual estudo, publicado meses depois de março de 2020, com mais de 30 mil pacientes, de tratamento de COVID, demonstrou que hidroxicloroquina isolada ou hidroxicloroquina com azitromicina, “não curava covid”?
Temos um prazo de três dias para a publicação da checagem em nosso website. Acreditamos que não seja difícil apenas nos enviar o link desse estudo científico dentro deste prazo.
Desde já agradecemos a atenção,
31 de janeiro
Prezados, boa tarde.
Algum posicionamento?
7 de fevereiro de 2025
Reiteração de Solicitação – Referência Científica
Prezados colaboradores do Estadão, Estadão Verifica, Fórum Estadão, Agência Estado e Fernando Reinach,
Há 20 dias, enviamos um pedido formal solicitando a referência do estudo mencionado no artigo de Fernando Reinach, publicado em 20 de dezembro de 2024, intitulado “O erro científico que causou mortes na pandemia”. Reiteramos essa solicitação em outros dois e-mails, sem qualquer resposta.
Dada a importância do tema para a integridade da informação científica e jornalística, insistimos na necessidade dessa referência. O artigo afirma que um estudo, com mais de 30.000 pacientes, publicado meses após o trabalho de Didier Raoult, demonstrou que a hidroxicloroquina era ineficaz para tratar COVID-19. No entanto, nenhuma publicação científica que conhecemos atende a esses critérios, exceto um estudo posteriormente despublicado por fraude.
Consideramos que o pedido é simples: trata-se apenas do envio de um link ou referência bibliográfica. Para alguém com a trajetória acadêmica do Dr. Reinach—membro da Academia Brasileira de Ciências, condecorado com a Ordem Nacional do Mérito Científico, com doutorado pela Cornell University e pós-doutorado pela University of Cambridge—certamente essa informação deve estar ao seu alcance.
Além disso, o Estadão tem uma longa tradição jornalística e um compromisso ético com a checagem e a veracidade dos fatos. O próprio Estadão Verifica continua abordando temas da pandemia, como demonstrado recentemente quando o jornalista Bernardo Costa questionou o Dr. Zeballos sobre o assunto. Portanto, não se trata de um tema irrelevante ou ultrapassado.
Dessa forma, reiteramos nosso pedido: qual é o estudo que embasa a afirmação publicada no Estadão?
Aguardamos um retorno.
(Este e-mail vai com cópia para Dr. Antonio Jordão, presidente do MPV, e Dr Carlos Nigro, coordenador do MPV).
Atenciosamente,
25 de fevereiro de 2025
Assunto: Transparência ou correção.
Caros do Estadão, Estadão Verifica, Fórum Estadão, Agência Estado e, claro, Dr. Reinach,
Já se passaram mais de 1 mês desde nosso primeiro e-mail – e, para efeito de cortesia, mais e-mails subsequentes – solicitando um simples link para o estudo citado no artigo “O erro científico que causou mortes na pandemia” (publicado em 20 de dezembro de 2024).
É surpreendente que um cientista com um currículo tão “inabalável” – Titular da Academia Brasileira de Ciências, graduado e mestre pela USP, com doutorado em Cornell, pós-doutorado em Cambridge e condecorado com a Ordem Nacional do Mérito Científico – ainda não consiga encaminhar a referência que supostamente respalda suas afirmações científicas. Se até os mais renomados conseguem esclarecer dúvidas, não seria razoável esperar o mesmo de alguém tão ilustre?
Portanto, passado mais de um mês sem nos enviar a referência do estudo, só resta a todos uma conclusão: Reinach sonhou que este estudo existe e escreveu no jornal sobre seus resultados.
Aqui precisamos lembrar de algo importante. O Estadão, com toda sua tradição e ética jornalística, exibe em cada página aquele link simpático “Encontrou algum erro? Entre em contato”. Foi o que fizemos. Há mais de um mês cobrando, perante a ausência da evidência, a correção já deveria ter sido feita.
Também precisamos lembrar que jornalistas que escrevem sobre “ciência” não devem ter nenhum tipo de tratamento especial em relação aos seus pares de outras editorias. Não é porque o Dr. Reinach acumula títulos impressionantes que ele se torna imune a falhas.
Um cronista esportivo pode sonhar com um jogo que nunca existiu e escrever sobre seu resultado. Um jornalista de economia pode delirar com um número de crescimento de PIB inexistente. É normal, mas delírios devem ser corrigidos perante os fatos.
Diante disso, não nos custa lembrar que alguns desses erros possuem consequências graves, como o famoso caso da Escola Base, de 1994, onde se inventou um crime e vidas foram destruídas.
Lembramos também que a grande mídia, especialmente um veículo tão influente quanto o Estadão, tem um papel decisivo na formação da opinião pública, impactando decisões judiciais e de órgãos públicos. E até hoje temos médicos que atuaram na linha de frente da pandemia que são perseguidos, achincalhados, acusados de “não seguirem a ciência”, ou de terem sido “charlatões”, por terem recomendado o medicamento durante a COVID-19.
Baseados em que essas ofensivas? Em informações como esta, onde um suposto estudo com 30 mil pacientes mais que comprovou a ineficácia. Depois dessa evidência, os médicos continuaram insistindo? São negacionistas da ciência, fanáticos, teóricos da conspiração, terraplanistas, e merece todos os dedos da sociedade apontados para eles, além do máximo rigor judicial, porque, afinal, é “O erro científico que causou mortes na pandemia”.
E se um membro da Academia Brasileira de Ciências que explicou, está explicado, pronto e acabou. O veredito está feito.
Portanto, se houve algum equívoco, o mínimo esperado é uma pronta correção ou esclarecimento. Transparência e ética não são apenas slogans – são princípios essenciais para evitar que delírios pontuais tenham consequências sérias para profissionais que já sofreram demais.
Aguardamos, com a convicção de que a transparência é uma prática contínua, um retorno breve.
Atenciosamente,
Comentário MPV
Após mais de um mês de tentativas reiteradas para obter uma resposta, o silêncio do Estadão – e, em particular, do Dr. Reinach – fala mais alto do que qualquer justificativa. É inadmissível que um veículo de comunicação com a reputação e o compromisso ético do Estadão, que ostenta em cada página o convite “Encontrou algum erro? Entre em contato”, simplesmente ignore a solicitação de uma referência que nunca foi apresentada.
A alegação de que um estudo, com mais de 30 mil pacientes e publicado meses após março de 2020, demonstraria a ineficácia da hidroxicloroquina no tratamento da COVID-19 não tem amparo científico. Se realmente existisse tal estudo, bastaria enviar o link.
Não é porque alguém acumula títulos e prêmios que ele está imune a erros ou delírios. A ausência de resposta é, na prática, um reconhecimento tácito de que o estudo sequer existe. Divulgar informações sem respaldo e não corrigi-las, mesmo diante de dúvidas fundamentadas, é não só antiético, mas coloca em risco a vida e a carreira de inúmeros médicos que hoje sofrem perseguições, processos e difamações com base em informações distorcidas.
A grande mídia exerce um poder imenso na formação de opiniões e na orientação de decisões judiciais e políticas. Por isso, a responsabilidade em corrigir o que foi veiculado não é apenas uma questão de ética jornalística, mas de compromisso com a verdade e com a sociedade. Se o Estadão não pode ou não quer assumir o erro e corrigir a narrativa, estará contribuindo para um ambiente onde a desinformação continua a se propagar sem qualquer reparação.
A verdade exige transparência. Se não há estudo, o correto é admitir a falha. Esperamos que o Estadão se pronuncie e corrija o que foi publicado – por respeito à ciência, à ética e à responsabilidade que uma mídia de grande porte tem com a sociedade.
MPV – Médicos Pela Vida